Neste dia 2 de novembro celebrou-se, exatamente, dois anos da idealização da UFES e UESC de implantação do Laboratório Vivo Tinharé¹ no Município de Cairu à liderança do Planejamento Estratégico (Plano Cairu 2030) e à diretoria executiva do Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Baixo Sul da Bahia (IDES).

Em matéria publicada neste Jornal, edição 787 (maio-junho 2020), destacou-se a ocorrência, em apenas 06 meses, de dois desastres (derramamento de petróleo no oceano atingindo praias e manguezais do município e a pandemia do Covid-19), que não só afetaram o processo de implantação do Laboratório Vivo, mas, principalmente, o funcionamento do município, colocando mais ainda em evidência a vulnerabilidade que ele se encontra no que se refere à sustentabilidade do desenvolvimento.

Reservas de petróleo e gás na costa oceânica adjacente ao município em vistas de esgotamento em poucos anos e a alta sensibilidade dos setores do turismo e da cultura a diversos tipos de perturbações (ambientais, de saúde pública, financeiras, entre outras), cada vez mais frequentes, sinalizam a urgência de se apresentar e implantar, mesmo que de forma experimental, soluções que proporcionem um estado de maior estabilidade e resiliência. Esses setores econômicos são os principais provedores de receitas municipais e geradores de emprego e renda.

Momentos e situações de crise costumam fazer aflorar ações de solidariedade e dão espaço a grandes oportunidades e, no caso dos referidos recentes desastres, isso se confirma em Cairu. Como forma de exemplificação, será abordado nessa matéria um tema que a pandemia do coronavírus mostrou fragilidade municipal, que é sua atual e elevada dependência de suprimento externo de alimentos para a população residente, especialmente a mais vulnerável, e para o setor empresarial, e, nesse contexto, uma iniciativa que surge do segmento sociedade civil visando contribuir com soluções práticas, acolhida pelo Laboratório Vivo Tinharé e parceiros, pela via do emprego de sistemas agroflorestais.

Com a pandemia, a segurança alimentar ganhou destaque nos diálogos da comunidade do Morro de São Paulo, tendo em vista a subordinação do arquipélago ao continente verificada diante da paralisação dos transportes intermunicipais, o que comprometeu o abastecimento de insumos alimentícios, dificultando, ou mesmo impossibilitando, aos moradores a compra de alimentos nos municípios vizinhos.

É nesse contexto que chega ao Laboratório Vivo a proposta do projeto Mão na Terra, elaborada pelo engenheiro florestal e professor Victor Emenekwum, a advogada Letícia Oliveira e o designer e permacultor Bruno Di Masi, proposta que surge a partir de diálogos introduzidos pelo próprio Laboratório, em novembro de 2019, durante a realização de sua primeira expedição técnica no Morro de São Paulo, e se desenvolveu a partir da movimentação em busca da resolução das demandas causadas pelos eventos catastróficos e, também, da intenção de se alavancar práticas mais sustentáveis na ilha.

O Mão na Terra é um movimento agroecológico socioambiental que propõe a implantação de Sistemas Agroflorestais no arquipélago de Tinharé, possuindo como principais objetivos o resgate da capacidade de produção de alimentos na região e a recuperação de áreas degradadas a partir da metodologia aplicada de introdução a sistemas alimentares sustentáveis.

O projeto vem desenvolvendo uma rede de difusão e produção de conhecimentos sobre o manejo do solo, contribuindo com a segurança alimentar ao buscar a diminuição da dependência de produtos alimentícios externos, intentando uma melhoria na economia local ao propor a adição de novas atividades econômicas ligadas aos alimentos, inclusive integrando-se às cadeias produtivas da cultura e do turismo, e, também, promovendo a restauração da paisagem com espécies nativas dos ecossistemas locais do arquipélago.

As áreas de atuação do Mão na Terra se encontram nas comunidades do Zimbo –  onde vem sendo implantada uma horta comunitária, da qual todo alimento é doado para a população -, da Mangaba e da Lagoa, que estão sendo objetos de inserção de sistemas agroflorestais experimentais, dos quais, além da doação dos alimentos, será possível uma análise aprofundada das formas de manejo de solo local e a reprodução de sementes mantidas e selecionadas por várias décadas por agricultores tradicionais, para o banco de sementes coletivo.

(A partir dessas ações, uma rede de agentes que buscam a adoção de práticas sustentáveis vem se consolidando e atuando em parceria com a comunidade, para a efetivação do quanto proposto pelo projeto, são eles: a ONG Educamor, que atua com ações e voluntariado tendo estruturado, inclusive, a Crearte, uma escola que foi alicerçada nos fundamentos da pedagogia Waldorf, a EcoMorro, uma agência de ecoturismo com compromisso com o meio ambiente e o desenvolvimento social, o Universo Pol, um espaço construído através da bioconstrução com Bambu, que põe em prática os preceitos da sustentabilidade e o GAMA – Grupo de Ação do Meio Ambiente que atua com voluntários para sensibilizar os moradores do arquipélago através de ações voltadas para cuidar das questões socioambientais sob o lema “Quem Ama Cuida!”.

Essa proposta vem sendo apadrinhada pelo Laboratório Vivo Tinharé e que caminha contribuindo ativamente na sua elaboração e concretização, através do compartilhamento de conhecimento técnico-prático e de articulações pela busca de parcerias com pessoas e instituições, desde junho de 2020, visualizando, inclusive, a possibilidade de as técnicas aplicadas no âmbito do projeto serem exploradas futuramente sob os aspectos do turismo de experiência e de conhecimento, abordando a temática agroecológica-permacultural na ilha. Conta ainda, mesmo em fase inicial, com o apoio da Prefeitura de Cairu, através das Secretarias Municipais de Turismo e de Cultura.

A noção de desenvolvimento sustentável está amparada em ações que consigam atrelar o desenvolvimento socioeconômico com a sustentabilidade do meio ambiente, garantindo a manutenção da geração atual sem comprometer as futuras gerações; desse modo, estimula-se a aplicação de medidas que visem o uso consciente dos recursos naturais com a finalidade de preservação e manutenção da biodiversidade.

Assim, estima-se que a prática da agrofloresta no arquipélago de Tinharé, nos termos em que propõe o Mão na Terra em conjunto com o Laboratório Vivo representa uma parcela efetiva de contribuição para o desenvolvimento sustentável da região, ao passo que introduz a produção de alimentos na ilha, possibilitando o surgimento de novas modalidades de geração de renda local, a partir de metodologias que garantem a saúde ambiental do ecossistema em que está sendo inserida.

Nesse cenário, o envolvimento de outros atores estratégicos no projeto, do poder público, do setor comercial e empresarial, do terceiro setor, da academia e das comunidades das ilhas de Cairu, Boipeba e Tinharé, se faz necessário. Sejam bem-vindos!

O Laboratório se apresenta como um projeto de iniciativa e fomento a um espaço referencial para debates, estudo, pesquisa e ação sobre a sustentabilidade de arquipélagos turísticos no mundo, tomando o município-arquipélago de Cairu como objeto de experimentação. Tem as universidades UFES e UESC e IF Baiano/Valença como instituições âncoras acadêmicas. Sua atuação se dá com o emprego de abordagens participativas, integradoras e adaptativas, com o envolvimento direto da municipalidade (Prefeitura Municipal de Cairu e Câmara de Vereadores), do setor empresarial-comercial, da sociedade civil, do terceiro setor, da academia e dos poderes públicos estadual e federal.

 

 

 

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