Por José da Hora, bancário aposentado e ex-vereador de Valença.

“Na produção urbana da ruína, a tendência é que paulatinamente todo o patrimônio histórico cultural seja soterrado. Primeiro, pelo abandono e pelo esquecimento; segundo, pela flexibilização e o não comprometimento dos órgãos públicos no cumprimento das leis, devidamente suspensas em nome de outros interesses; e, terceiro, porque não há uma tendência das gestões políticas em manter viva a memória da cidade, deixando o patrimônio ocioso de usos sociais” (MARTINEZ, Celeste. BARCELOS, Eduardo)
“A mim me bastava que o prefeito desse um jeito na cidade da Bahia/ Esse feito afetaria toda a gente da terra” (VELOSO, Caetano)

Sim. Utilizando “outras palavras”, voltamos a escrever sobre o prédio da Casa de Câmara e Cadeia de Valença, vez que, na última terça, 03 de maio, a Prefeitura de Valença enviou um projeto que pretende “destombá-lo”. Felizmente, o vereador Fabrício Lemos, presidente da Câmara, solicitou vistas, objetivando ampliar a discussão. Espera-se, na verdade, que o prefeito conscientize-se e retire – definitivamente – o projeto, recuperando o prédio que é, na verdade, a “certidão de nascimento” de Valença como município emancipado.
Sobre a Cadeia, parodiando Chico Anysio, “está tudo aí”. Desde 2016, existe um movimento na cidade defendendo sua revitalização. Desde 2018, o Conselho de Cultura entrou no Ministério Público, solicitando providências. Em 2020, uma carta assinada por mais de 50 lideranças de vários movimentos, entidades, grupos culturais e universidades a exemplo da Maçonaria, IF’s, FAZAG, UNEB, UFBA, UFRB, entre outras, solicitava, mais uma vez, providências em relação ao prédio. No documento, sugeria-se, inclusive, que “Se o poder público não tem recursos no momento, desenvolva uma parceria público-privada. O que não faltará são empresários interessados numa área tão nobre. Inaceitável é deixá-lo na situação em que se encontra”.
Uma licitação chegou a ser feita pela Prefeitura em 2020, objetivando iniciar reparos no prédio. Mas, como não houve interessados, nada foi feito. Em maio do ano passado, novamente o Conselho realizou uma reunião com a Prefeitura cobrando providências. Três meses após, a Prefeitura convocou o Conselho, apresentando um laudo, sob o argumento de que não tem dinheiro para a sua recuperação e propondo, mais uma vez, a venda do imóvel. Algumas vozes do Conselho concordaram com a venda, desde que se recuperasse a fachada, tal como a original.
À época, um arquiteto apontou que era urgente e necessária uma intervenção que retirasse o piso intermediário do primeiro andar, que já estava cedendo, a fim de que as estruturas das paredes não fossem comprometidas. Em vez disso, a única intervenção realizada de lá pra cá foi interditá-lo e cercá-lo com tapumes que enfeiam e demonstram o abandono, esperando que o prédio caia por si só.
É triste, mas o órgão público responsável argumenta, simplesmente, que não há dinheiro e nenhuma alternativa, nem parceria, senão vendê-lo!Ninguém, em sã consciência vende um patrimônio quando sabe que este tenderá cada vez mais a valer mais, como é o caso da cadeia, pela sua localização. Quais interesses estão por trás disso?
Lembremos do antigo Mercado, único exemplo de construção em concreto armado e cuja importância e localização tinha tudo para figurar como um mercado modelo que orgulhasse valencianas e valencianos, expondo e exportando nossa cultura, gerando renda, emprego e atraindo turistas! O Mercado foi vendido, derrubado… e hoje em seu lugar há um supermercado e uma loja que poderiam funcionar tranquilamente em qualquer outro lugar. E o que foi feito do dinheiro de sua venda?
Hoje promete-se novamente que o dinheiro da venda da cadeia será investido na cultura…
Faz-se aqui, mais uma vez, um apelo: Senhores, não permitam que esse crime seja cometido! Não queiram ser apontados nem lembrados como vendedores do nosso patrimônio! Ao contrário, alternativas podem ser adotadas à exemplo do Palácio Rio Branco, em que o Governo da Bahia, está condicionando a concessão para a instalação de um hotel, preservando todas as características do imóvel e faturará milhões mantendo o espaço.
Mirem-se na vizinha cidade de Taperoá, bem menor que Valença. Quem chega em Taperoá vê a Casa de Câmara e Cadeia preservada, como um espaço cultural, abrigando obras como do Mestre Miguel. Outra vizinha, Jaguaripe, ostenta a conhecida Cadeia do Sal. Em Cachoeira, a Câmara continua a funcionar, assim como um museu na antiga Cadeia…
Valença foi reconhecida e incluída recentemente nas comemorações dos 200 anos da Independência, cujo movimento iniciou-se com a aclamação de Dom Pedro no famoso 25 de Junho em Cachoeira. Entretanto, o que pouca gente sabe é que em 6 de agosto de 1822, a Câmara de Vereadores de Valença reúne-se votando também a proclamação do príncipe, exatamente no prédio situado à Rua Conselheiro Cunha Lopes, onde fora instalada, desde 1799, a Casa de Câmara e Cadeia.
Preservar e revitalizar a Casa de Câmara e Cadeia é, pois, um grande feito e quem o fizer entrará para a história como exemplo a ser lembrado por várias gerações. O povo de Valença precisa reconhecer sua história para continuar a entoar o hino composto pela saudosa professora Macária: Eu me orgulho de ti, minha terra…
“Valença, nunca vencida!”

 

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