Vazamento levanta dúvidas: falha humana ou ação de hackers? Especialista explica por que a origem costuma ser bem menos sofisticada do que o público imagina 
 A divulgação da possível camisa da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 2026 por um site especializado colocou em evidência como informações sigilosas de produtos globais acabam divulgadas antes do lançamento oficial. Apesar da percepção comum de que esses episódios estariam ligados a hackers ou ataques cibernéticos, a explicação, na maioria das vezes, é muito mais simples e previsível. O fenômeno é recorrente. Em 2024, a polêmica camisa vermelha da Seleção, que não chegou a ser oficialmente lançada, teve imagens antecipadas por canais especializados.
Para o especialista em Direito Empresarial Fernando Moreira, doutor em engenharia de produção com ênfase em Governança e Compliance, o vazamento da suposta nova camisa segue exatamente essa dinâmica. “Quando o projeto ainda está restrito à equipe de criação, o controle é rígido e o risco é mínimo. O problema começa quando o protótipo entra na fase industrial, especialmente em fábricas terceirizadas na Ásia, onde muitas pessoas têm acesso físico às peças e podem fotografá-las sem barreira prática alguma”, explica.
A vulnerabilidade aumenta conforme o produto avança para a fase comercial. Amostras, catálogos e materiais de pré-venda passam a circular entre varejistas e equipes internas, ampliando os pontos de contato. “Cada compartilhamento aumenta a chance de quebra de sigilo. Muitos dos vazamentos conhecidos surgem exatamente de estoques e depósitos, em fotos tiradas antes da exposição oficial”, aponta Moreira.
Dados recentes do setor reforçam esse cenário: o Verizon Data Breach Investigations Report (DBIR) 2024 aponta que 68% das violações de dados registradas globalmente têm origem em erro humano, envolvendo falhas operacionais, acessos inadequados, manipulação indevida de materiais e descuidos em processos internos. Embora o estudo trate de segurança da informação em sentido amplo, o dado evidencia o papel central do fator humano em incidentes de confidencialidade, especialmente em cadeias complexas de produção.
No ambiente digital, os riscos também tendem a ser operacionais, e não criminosos. Arquivos de jogos como EAFC (EA Sports FC), erros de publicação em sites oficiais e monitoramento automatizado por bots podem antecipar informações sem que haja invasão de sistemas. “São falhas humanas e operacionais, não ataques. A leitura equivocada desses episódios alimenta a impressão de que há sempre um hacker por trás, quando o processo é muito mais cotidiano”, completa o especialista.
Outra camada do problema é a circulação de mock-ups criados por fãs, que podem ser confundidos com imagens autênticas. Sites especializados, como o que divulgou a suposta camisa brasileira, conseguem diferenciar materiais reais de versões conceituais, mas as redes sociais aceleram a difusão de conteúdos preliminares.
Para Moreira, o caso é um exemplo clássico de desafio em Vendor Risk Management, área dedicada a avaliar riscos de terceiros em cadeias produtivas complexas. “Cláusulas de confidencialidade e NDAs (Non-Disclosure Agreements, ou Acordos de Confidencialidadeajudam, mas têm alcance limitado quando centenas de pessoas participam da produção e distribuição. Quanto mais próximo do lançamento, mais amplo é o acesso e mais difícil é evitar que imagens circulem”, analisa.
O especialista conclui que o episódio deve ser interpretado como um vazamento operacional. “É previsível, recorrente e inerente ao modelo de produção terceirizado adotado por grandes marcas. Não se trata de ação de hackers, mas de fragilidades estruturais que fazem parte do processo”, finaliza.
Fonte: Fernando Moreira, especialista em Direito Empresarial, doutor em engenharia de produção com ênfase em Governança e Compliance

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